Conforme programado, realizamos nesta data o XVII Encontro Regional do Núcleo I do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que elegeu a nova direção para o biênio 2016-2018.
Neste encontro, apresentamos uma palestra ministrada pelo Professor Orosco, sobre o tema central da IV Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que publicamos abaixo:
O
DESAFIO NA IMPLEMENTAÇÃO DAS POLÍTICAS DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA: A
Transversalidade como a Radicalidade dos Direitos Humanos
Nos últimos anos uma nova expressão tem tido
cada vez mais presença no cenário das políticas públicas brasileiras, com
implicações para a forma de organizar a ação governamental: a Transversalidade.
A procedência do termo transversalidade é
conferida aos estudos sobre educação e abordagem interdisciplinar dos diversos
fenômenos, em contraposição a uma visão fragmentada da realidade, pressupondo
uma atuação interdepartamental e criação de fóruns horizontais de diálogo e
tomada de decisão, em que conhecimentos, recursos e técnicas acumuladas em cada
espaço institucional possam atuar em sinergia.
A origem da transversalidade, como instrumento
de implementação de políticas publicas, tem sido atribuída à discussão de
gênero, tendo se constituído na Suécia na década de 1990, onde se definia que a
perspectiva de gênero deveria ser uma corrente a perpassar e impregnar as
demais políticas e ações a fim de garantir efetivamente a igualdade entre
homens e mulheres.
Na gestão de políticas públicas, esses
elementos somam-se à emergência de novos temas na agenda governamental,
reforçando a necessidade de aprimorar as políticas de forma a incorporar
temáticas específicas, em alinhamentos com suas diversas estruturas setoriais.
Nesses
casos, é exigido que os órgãos governamentais considerem as múltiplas facetas
da realidade, possibilitando o atendimento a requisitos diversos ou a
consideração particular de fatores de vulnerabilidade de diferentes grupos
sociais.
É o caso da perspectiva ambiental ou das
demandas por igualdade de oportunidade de grupos historicamente em situação de
desigualdade, como mulheres, negros, pessoas com deficiência ou idosos.
No contexto das pessoas com deficiência, é
fácil verificar que a invisibilidade, discriminação e negação de direitos no
Brasil são fenômenos identificados em diversas circunstâncias da vida em
sociedade, verificados, por exemplo, no mercado de trabalho, no acesso ao
sistema educacional, no acesso aos serviços de saúde, entre outros.
Ao pensar a não equiparação de oportunidades
pelas pessoas com deficiência como um problema multidimensional que possui seus
traços em diversas áreas de políticas públicas, surge o questionamento sobre
onde e como deve ser tratado tal tema na estrutura da gestão governamental.
Por exemplo, a inclusão de uma pessoa com
deficiência no mercado de trabalho depende dos acessos e apoios encontrados
desde a infância no ambiente educacional, retaguardas sociais, atenção à saúde
adequada, bem como acesso ao ensino técnico e superior, acessibilidade no
trajeto casa-trabalho e no próprio ambiente em que exerce as funções.
O problema que se apresenta, e que por isso se
transformou no tema Central da IV Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas
com Deficiência, é o de que, embora seja crescente a referência à
transversalidade na literatura sobre políticas públicas, é limitado o número de
estudos que avançam para além do diagnóstico de sua necessidade ou que
aprofundem conceitualmente o que seria esta transversalidade.
Os aspectos elencados por diversas definições,
embora contidos no que se considera como uma abordagem transversal, não a
distingue de outras ações de desenho organizacional, como é o caso da estrutura
matricial, das redes interorganizacionais, coordenação horizontal, por exemplo.
A proposta que se coloca, então, é a de que, ao
abordar a perspectiva de gênero, por exemplo, se elabore uma matriz que permita
orientar uma nova visão de competências envolvendo a responsabilização dos
agentes públicos, em processo que favoreça a integração e o aumento da eficácia
das políticas, incluindo a resignificação das atribuições de órgãos setoriais.
Isto diferenciaria a gestão transversal de outras
ferramentas organizacionais que buscam a sinergia e a articulação
interdepartamental ou interorganizacional.
Transversalidade, então, pressupõe, por
conseguinte, resignificar a estratégia setorial, desde a formulação até a
implementação, compreendida como instrumento gerencial que visa dotar as
organizações de capacidades para fazer frente a uma realidade complexa e com a
qual os instrumentos clássicos não têm conseguido dialogar a contento.
A partir dessas referências, compreende-se,
então, a transversalidade como um instrumento de intervenção social que visa
incorporar à gestão aspectos selecionados da realidade que são determinantes
para o atendimento a um problema ou situação específica e que necessitam de
abordagem multidimensional e integrada para um enfrentamento eficaz.
Tomando-se como lócus de aplicação da
transversalidade uma organização ou um conjunto de organizações, como é a
estrutura governamental, a gestão da transversalidade pode ser delegada a uma
instância que tenha a função de coordenar esses processos entre órgãos
setoriais, exercendo a função de staff, por meio de assessoramento para as
unidades de linha.
O perigo desta proposta é que isto implicaria,
por exemplo, no risco de liberar o órgão vertical da responsabilidade de
incorporar o tema, o que, em última instância, se transformaria no fracasso de
transversalidade.
A emergência de novos temas à agenda
governamental enquadra-se, assim, como um dos antecedentes das demandas por
transversalidade, onde as questões estruturantes como as desigualdades de
gênero, raça ou deficiência, na sociedade brasileira, embora discutidas há
muito pelos movimentos sociais, só recentemente foram incorporadas na agenda
dos governos, onde, tomando-se por exemplo a promoção da equidade para as
pessoas com deficiência, percebe-se que apenas uma pequena parcela dos
municípios constituiu Conselhos Municipais ou Secretarias Específicas para
tratar do assunto.
Ou seja, se nem a estrutura vertical foi
compreendida como uma necessidade, a concepção transversal para oferecer
soluções às demandas sociais ainda está muito distante do desejável.
Na implementação do enfoque da transversalidade
como conceito organizacional no campo das políticas públicas, acresce-se ainda
o desafio de lidar com estruturas setoriais complexas, que, encerram debates em
torno de política, coalizões, limites legais, marcos regulatórios,
participações sociais, sobretudo permeadas por desenhos altamente
departamentalizados.
Constitui assim desafio para a gestão
transversal integrar e, paralelamente, fortalecer e qualificar as competências
das estruturas básicas setoriais, onde a eventual criação de estrutura vertical
para lidar com o tema tem que se prestar, primordialmente, a promover
coordenação e consultoria especializadas às estruturas setoriais existentes.
Contudo, cabe salientar que, embora a gestão
transversal deva estabelecer para si limites em relação às atividades
finalísticas, ela precisa conhecer profundamente seu desenvolvimento e
mecanismos de gestão, estando em permanente contato com seus executores.
Algo como os antigos departamentos de
Organização e Métodos das organizações privadas primavam por realizar,
compreendendo-se que uma das principais dificuldades é a resistência de
gestores e de planejadores públicos em compreender a relevância dos temas, em
sentido amplo e em suas atividades específicas, bem como converter os conceitos
teóricos em sua prática cotidiana.
Essa avaliação reforça a necessidade radical da
incorporação da perspectiva da transversalidade na agenda do topo da administração
da política pública, compromissada e mantida pela alta administração.
Como a adoção da perspectiva transversal
incorre na ampliação de custos de diferentes naturezas, requer estratégia de
coordenação, com transparência, pactuação e articulação que envolve tempo,
novos recursos e competências e que acarreta também nova configuração nas
estruturas de poder.
Nesse sentido, é essencial que os gestores da
transversalidade antevejam possíveis obstáculos e procurem minimizar ou
facilitar esforços setoriais, a fim de promover ainda maior comprometimento com
o projeto.
Como considerações finais, colocamos que a
necessidade de atuar de forma transversal tem se tornado “lugar comum”
especialmente no debate sobre políticas públicas e atenção a minorias e públicos
vulneráveis, onde os gestores precisam reconhecer os limites e especificidades
dessa forma de gestão, as diferentes etapas do ciclo da política pública para
perseguir não apenas a adesão setorial, mas a efetividade em sua aplicação.
A questão da deficiência deve perpassar,
impregnar e atravessar as demais políticas e ações a fim de garantir igualdade
de oportunidade, equidade de condições, e inclusão verdadeira em todos os
campos da vida, entendendo-se a pessoa com deficiência como “sujeito de direitos
e deveres” e não como objeto de atuação de cada uma das políticas.
Esse é o desafio amplo que a IV Conferencia
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência se propõe a debater.
Professor Orosco
Extraído das seguintes referências bibliográficas:
Diretrizes do CONADE para a IV Conferência
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
SILVA, Tatiana. Gestão da Transversalidade em
Políticas Públicas. Rio de Janeiro: XXXV Encontro da ANPAD, set. 2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário